• Com informações do G1 São Carlos.
A simplicidade sempre fez parte da vida de Ivo Ubirajara Coelho Filho, de 62 anos, que vive em São Carlos (SP) desde 2014, quando chegou à cidade para estudar manutenção de aeronaves no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).
Há seis meses, ele mora sozinho em ônibus que comprou por R$ 5 mil para fazer uma espécie de motorhome. Sensibilizados com a história, estudantes de São Carlos fazem uma campanha para arrecadar materiais. mão de obra e ajudar a reformar o ‘lar’ do idoso. Eles também criaram uma vaquinha virtual para contribuições.
O objetivo de Ivo é melhorar o veículo para também viajar pelo país. Além do valor da compra, ele disse ter investido mais R$ 2 mil em alguns ajustes.
Segundo ele, o motor está perfeito, mas o ônibus não anda por falta de baterias e outros problemas estruturais. Falta ainda regularizar a documentação.
Assim que comprou o ônibus, o idoso falou de seus planos para um dos amigos do curso, o estudante Yuri Esposito, de 21 anos. “Pensei que todos me chamariam de louco, mas depois que falei tinha colega querendo fazer a mesma coisa, todo mundo gostou da minha ideia e ninguém me reprovou “, disse o simpático senhor.
Ajuda
Esposito comentou sobre a história do idoso com o amigo Samuel Caurim, de 21 anos. Comovido, o estudante de engenharia de materiais enxergou uma grande oportunidade: aplicar os conhecimentos universitários na reforma do veículo, que ainda não tem nome.
Caurim decidiu publicar história de Ivo nas redes sociais, para tentar conseguir ajuda de outros estudantes e patrocínio com materiais. Ele e Esposito organizaram um projeto e divulgaram para um grupo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
“Comecei a perguntar quem tinha interesse em ajudar na parte de elétrica, hidráulica, fomos investigando, buscando e a postagem acabou viralizando”, contou o estudante.
Mais de 20 pessoas manifestaram interesse em ajudar com a mão de obra. “Uma pessoa mais velha que batalha para terminar o curso, é uma história de superação. Um senhor de idade que não tem família, não tem ninguém, mas tem o sonho de morar no ônibus”, contou Caurim.
O ônibus está estacionado em um pasto cedido por um amigo de Ivo. Do lado de fora do veículo, ficam alguns bancos retirados para começar a reforma. Há também uma cozinha e um banheiro. As paredes foram feitas de bambu que o idoso e um colega de sala cortaram em um bambuzal. O teto é coberto por lona.
O lugar não tem luxo, apenas uma estrutura básica para viver, com água e energia elétrica. Há também uma antena parabólica e uma pequena horta.
“Não tenho um sofá bonito, uma televisão enorme, isso ou aquilo. Quem vem aqui, vem porque é meu amigo. E é isso o que importa, ter amizades sinceras”, contou Ivo que disse não ligar para conforto.
Ele revelou que não liga muito para conforto. “Como eu trabalhei em garimpo, morei muito tempo em barraca, no meio da mata. Não sei o que é conforto. Minha vida sempre foi sacrificada, nunca foi confortável, então para mim é normal”, completou.
Acostumado com “o pouco”, ele diz que nunca foi apegado às coisas materiais. “Minha vida é simples, eu sou simples e sempre fui. Nunca tive grandes apegos. Acho que a gente precisa de pouco para ser feliz. Ninguém vem aqui porque eu tenho alguma coisa. Vêm me visitar pela minha pessoa, pelo que sou e pela amizade”, disse.
“Como trabalhei em garimpo, morei muito tempo em barraca, no meio da mata. Minha vida sempre foi sacrificada, nunca confortável, então para mim é normal. Acho que a gente precisa de pouco para ser feliz”, completou.
Atualmente, o idoso está desempregado. O último trabalho foi como faxineiro no Parque Ecológico. Ele disse que ainda tem algum dinheiro para se manter e faz serviços extras para ganhar uns trocados.
“O dono do terreno onde moro me ofereceu um estágio na empresa dele. O salário não é muito, mas vai me ajudar a sobreviver. Meu objetivo é terminar o curso”, explicou.
Uma longa trajetória
Natural de Belém (PA), Ivo sempre foi apaixonado por aviação e trabalhou na mecânica de aeronaves na década de 1980, mas, segundo ele, foi preciso largar tudo para cuidar da mãe por 25 anos. Para sobreviver, chegou a vender açaí.
Depois que a irmã se aposentou, ele decidiu trilhar o próprio caminho e veio para São Paulo morar com um amigo em Atibaia (SP). A esperança era voltar ao setor de aviação, mas ele não conseguiu uma vaga.
Ivo então voltou a estudar, concluiu o ensino médio e prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ele ficou sabendo do curso de tecnólogo em manutenção de aeronaves no IFSP de São Carlos e decidiu mudar para a cidade.
“Quando cheguei, foi difícil. Recebi ajuda de muita gente, colegas, professores e até do diretor do IFSP. Com 62 anos, a gente não tem muita oportunidade. Fui trabalhar na colheita de café, de goiaba e estava me virando como dava. Trabalhava um dia para um e outro dia para outra pessoa”, contou.
Encontro com o ônibus
O ‘encontro’ com o ônibus, um Mercedes de 1982, ocorreu de uma forma inusitada. Ivo sofreu um acidente de moto próximo a Piracicaba (SP). Uma pessoa o ajudou no socorro e o levou até um posto de combustível, que ficava a um quarteirão de onde o ônibus estava estacionado.
“Conversei com o pessoal e o soube que a dona poderia vendê-lo. Isso foi uma coincidência, porque o marido dela comprou justamente para fazer um motorhome e pescar no Mato Grosso. Ele desistiu porque teve câncer. Acertei com a esposa dele e comprei”, relembrou.
Ivo pagou um guincho, que trouxe o ônibus para São Carlos. Nos primeiros meses, o local não tinha banheiro ou eletricidade. O idoso se alimentava e tomava banho no trabalho.
Feito os primeiros ajustes, o objetivo depois da reforma é “cair” na estrada. “Minha vontade é conhecer o país e toda a América Latina. Sempre tive vontade de ir até o México”, concluiu o paraense.